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Bactérias do bem

A origem desse uso bacteriano é curiosa: durante a Primeira Guerra Mundial, milhares de soldados foram acometidos de disenteria, uma espécie de diarreia severa espalhada por água contaminada com a E. coli. Um soldado alemão servindo nos Bálcãs, no entanto, não ficou doente ao ser exposto à bactéria, diferente de todos os seus colegas. Um cientista, Alfred Nissle, isolou uma cepa da bactéria das fezes do soldado em 1917, descobrindo efeitos protetivos muito grandes contra a Shigella, uma das causadoras da disenteria. Nos últimos 100 anos, a cepa — que ficou conhecida como E. coli nissle — foi sendo usada como probiótico para promover a saúde intestinal e tratar problemas gastrointestinais como doença inflamatória do intestino. Agora, ela vem integrando esforços para criar “remédios vivos”, como o da companhia americana Synlogic, que busca tratar a PKU. Sem tratamento, a condição pode acumular fenilalanina no cérebro e causar distúrbios cognitivos, epilepsia e sintomas comportamentais. Na fase 2 dos testes, 20 voluntários beberam o composto de bactérias modificadas misturadas com líquido, o que diminuiu a quantidade dos aminoácidos em questão. Normalmente, a PKU é tratada com uma dieta restritiva, que corta carne, peixe, laticínios e ovos da alimentação, além de adicionar suplementos, em alguns casos, para evitar a deficiência de nutrientes no corpo. A severidade da condição é variável, e alguns pacientes podem consumir apenas algumas proteínas por dia — um pedaço de pão branco, por exemplo, contém 1 ou 2 gramas de proteína. Há 2 remédios aprovados para uso contra a fenilcetonúria, mas um deles não é muito utilizado porque pode causar uma reação alérgica séria, e o outro ajuda apenas alguns tipos de PKU. O novo tratamento busca dar mais opções dietéticas aos pacientes, que não têm muita liberdade na hora de comer.

Engenharia bacteriana

A E. coli modificada pelos cientistas produz uma enzima presente em plantas, leveduras e outras bactérias cuja função é digerir fenilalanina. Também foi removido um gene da bactéria para impedir que ela se replique, evitando que se assente no intestino e causa problemas futuros. Dentro de uma semana, ela some do sistema gastrointestinal. Então, 3 vezes por dia, após todas as refeições, os 20 pacientes tomaram o composto bacteriano com água ou suco. Os participantes tiveram de continuar consumindo as quantidades de proteína usuais, para que fosse possível notar o efeito em seus corpos. Deles, 15 seguiram tomando todas as doses até o final da pesquisa, e 60% (9 pessoas) tiveram uma redução de mais de 20% nos níveis de fenilalanina a uma ou duas semanas do início do tratamento, medida por exame de sangue. A média de redução de fenilalanina nos participantes foi de 42%. Apesar de não parecer muito, os cientistas afirmam que qualquer redução nos níveis do metabólito já permite que os pacientes possam comer outros tipos de proteína, flexibilizando bastante a sua dieta diária. Uma redução de 20% era o objetivo da empresa, já que o número implica numa redução nas chances de dano cerebral por acúmulo de fenilalanina. Agora, a companhia planeja levar o estudo para a fase 3, aumentando os participantes para 100 a 200, investigando os efeitos de longo prazo da bactéria no organismo. Entre os objetivos, está descobrir a causa da diferença na redução de fenilalanina nos pacientes, que pode ser por conta de um maior consumo de proteína por alguns deles.

Desafios e o futuro do tratamento

Entre os desafios da pesquisa com tratamentos que envolvem o microbioma, está o fato de que as colônias bacterianas são muito influenciadas por alimentação e remédios, podendo mudar em poucos dias. A longo prazo, o piso de eficiência para terapias como essas fica bem alto. Além disso, há os efeitos colaterais: dos 5 pacientes que não completaram o tratamento, 3 se retiraram por efeitos gastrointestinais adversos, 1 retirou o consentimento e um último teve rubores faciais, uma possível reação alérgica à bactéria. A E. coli modificada já é utilizada em laboratório para coletar proteínas terapêuticas, como insulina e algumas utilizadas para tratamento de câncer. A diferença é que, nesses casos, o paciente recebe o produto final, enquanto na pesquisa da PKU, é tomada a bactéria em si. Com o sucesso de receber o tratamento direto no intestino, a bactéria poderá ser modificada pra tratar outras doenças, como diabetes, artrite reumatoide, problemas de pele e até mesmo câncer, todos com relações com o microbioma intestinal. Fonte: Wired, Synlogic